sexta-feira, 5 de junho de 2009

Velhos Amigos

Tirei este artigo da revista Prazeres da Mesa e resolvi colocá-lo aqui no Blog pois é sempre uma discussão e assunto entre amigos enófilos. Um vinho novo tem menos qualidade que um vinho mais velho? Um vinho só pode ser considerado bom se ele tiver capacidade de envelhecimento?

O Patricio Tapia, autor do Descorchados, o guia de vinhos mais respeitado do Chile (Com ressalvas, né Paulão?) expõe a opinião dele neste texto. Espero que gostem e tirem suas próprias conclusões, afinal como eu costumo dizer, no mundo do vinho não é uma verdade absoluta!

"Para que um vinho seja levado a sério, é importante que ele demonstre capacidade de envelhecer

Faz alguns dias, eu estava escutando discos antigos das bandas de que gostava quando era mais jovem, lá pelos meus 20 anos. Discos antigos de Sonic Youth, David Sylvain, Talk Talk, músicas que faziam parte da minha “trilha sonora”, numa época em que meu interesse pelo vinho não tinha ainda se convertido em trabalho. Aliás, nessa época, o vinho nem mesmo era tão importante na minha vida.Mas, escutando esses discos, lembro que uma das razões pelas quais um grupo não se considera, digamos, importante, é a transcendência da música que faz. Ou seja, a capacidade que têm suas canções de resistir ao tempo, ainda que a canção tenha sido escrita há mais de 20 anos.

De alguma forma, acontece o mesmo com o vinho, que deve resistir ao tempo para ser levado a sério, deve mostrar sua capacidade de envelhecimento e nos dar prazer por décadas a seguir. Claro, alguém pode dizer: “O que acontece com os tintos de Chinon e os brancos de Marlborough, que devem ser consumidos rapidamente?” Ora, mas neles o envelhecimento se dá em garrafa. Os melhores brancos da Nova Zelândia e os melhores tintos de Chinon (provêm um Breton, um Baudry e um Lenoir) têm essa capacidade de envelhecer bem, de se projetar em garrafa. Talvez não seja a projeção de Cornas, Sauternes ou de um Pomerol, mas um bom Chinon deve ser capaz de resistir bem ao tempo.Digamos que essa teoria é certa: todo grande vinho que tem a capacidade de resistir em garrafa por um tempo determinado deve ser consumido dentro de um ou dois anos após a colheita. Mas existem vinhos sul-americanos com essa característica? E, conseqüentemente, existem vinhos sul-americanos que possam ser levados a sério?Minha resposta é positiva, sem dúvida.

Grandes rótulos são produzidos neste lado do mundo, e, assim, existem por aqui vinhos que conseguem envelhecer bem. Muitos nomes me vêm à cabeça: Don Melchor, Catena Zapata, Cavas de Weinert, Montchenot, Casa Real Santa Rita, Domus. A lista é longa e quase sempre coincide com os melhores vinhos do continente. E isso, como vocês podem ver, confirma minha teoria: para que um vinho seja levado a sério, ele tem de envelhecer bem.A questão que se coloca agora é até quando essa capacidade de envelhecimento será levada em conta no momento de se atribuir um valor ao vinho. E digo isso porque muitos de vocês já devem ter lido que as uvas hoje são colhidas maduras demais, com o objetivo primeiro de se produzir vinhos mais suaves, mais abordáveis em curto prazo. Tintos que possam ser consumidos dentro de um, dois anos ou mesmo antes, ainda que tenham custado uma fortuna.E isso não é necessariamente ruim. E porque seria, já que sou eu quem decide se quero abrir minha garrafa de 100 dólares antes e não depois.

O problema acontece quando, ao esperar por essa textura suave, perde-se em acidez, perde-se em frescor aromático e ganha-se em álcool. Esses grandes vinhos, cheios de aromas de marmelada, são comuns em todo o mundo. No entanto, poderão eles sobreviver ao passar do tempo? Somente agora é que devemos considerá-los grandes vinhos porque alcançaram uma pontuação alta? Pode ser que sim, que o fato de eles terem a capacidade de um bom envelhecimento, de se projetar em garrafa, deixe de ser um tema, deixe de ser determinante no momento de levá-lo ou não a sério. Se isso acontecer, acredito que será uma lástima. Abrir um vinho guardado por muito tempo é como encontrar um velho amigo da escola. A alegria de voltar a vê-lo, a surpresa de ver como ele mudou e a dúvida ao perceber se essas mudanças afetaram ou não nossa amizade.

Patricio Tapia é autor do Guia Descorchados, principal publicação sobre vinhos do Chile.


CHEERS!!

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