terça-feira, 4 de novembro de 2008

Para correr, é preciso andar primeiro.

Muita gente tenta produzir um Pinot Noir de destaque. Mas se esquece de que, para alcançar o nível top, é preciso antes fazer um vinho básico.
Já se passaram quase quatro anos desde a estréia mundial de Sideways. Vocês se lembram desse filme? Aquele que foi responsável pela ascensão da Pinot Noir como uma variedade imprescindível? Uma hora e 26 minutos de filme que fizeram com que as vendas de Pinot Noir saltassem nas vendas como nunca em sua história. Claro que o “fenômeno” Sideways decantou, mas deixou um rastro de influência que é perceptível em todos os lugares. Na costa chilena, nos vales de Casablanca e San Antonio.No deserto de Mendoza ou nas planícies da Patagônia. Aí, nessas zonas da América do Sul, o boom também chegou com força. Todos quiseram e querem fazer da Pinot Noir uma grande cepa, um vinho que sobressaia nos rankings. E do esforço pré e pós Sideways, é possível tirar conclusões.

A primeira é o otimismo. Hoje, a Pinot Noir está muito melhor do que há cinco anos.

Na Patagônia, a Vinícola Chacras está lançando vinhos que não tinham alcançado um nível similar na Argentina, enquanto que no Rio Negro, Humberto Canale continua insistindo por resultados melhores. A Cono Sur, no Chile, faz um trabalho “maratônico” para se erigir como um grande produtor (pelo menos em quantidade). E tem conseguido. Como também conseguiu fazer com que o vinho Ócio (seu “top”) decolasse com a safra de 2006, constituindo o melhor Pinot que essa vinícola já produziu. A Villard, enquanto isso, consagra-se como uma referência neste lado do mundo. E seguem os exemplos: No Chile, perto da costa do Pacífico, a Viña Leyda e a Garcés Silva são dois produtores ambiciosos, que estão fazendo vinhos muito bons, do mesmo nível dos produzidos por Casa Marín, Kingston e Viña Casablanca. Na Argentina, talvez em razão do clima, ainda não se encontram grandes Pinot Noir na área de Mendoza. Há tentativas, como Salentein, Luca, La Célia e Alamos – todos vinhedos de boa altitude, com clima mais frio, em que essa inconstante varietal pode amadurecer mais lentamente. Avanços foram feitos, porém, há algo que me preocupa. Via de regra, em especial no Chile, as vinícolas que se comprometem a fazer um bom Pinot Noir miram muito alto. Vinhos, na maioria, com grande presença de madeira e também com uma estrutura potente oriunda de vinhedos nos quais a produção por planta é mínima. No fundo, são vinhos feitos para impressionar.

Insisto na idéia de aprender a caminhar, antes de querer correr. Ainda que exista um pequeno lote de Pinot Noir interessante (e caro), o mesmo não acontece nas categorias média e baixa. Fica a sensação de que todos os esforços são feitos para se criar um grande vinho com base em barricas selecionadas. Mas, abaixo disso, nada. O desejo de imitar um Grand Cru da Borgonha antes de, primeiro, dedicar-se a obter o nível de um Village. Eu gostaria de provar frutas de primeira qualidade, nascidas nos melhores vinhedos, sem passar por madeira, sem macerações assassinas que anulam a delicadeza da cepa. Por que não fermentar em madeira velha? Por que não usar a cementação em vez dessas supercubas de aço especialmente adaptadas para extração abundante de fruta e taninos? Para pintar como Picasso, primeiro é preciso aprender a desenhar figuras humanas. Não se pode chegar ao final do campeonato sem ter passado pela primeira rodada.


Por: Patrício Tapia - Revista Prazeres da Mesa

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